"Quem escreve constrói um castelo, e quem lê passa a habitá-lo." Silvana Duboc


sábado, 11 de setembro de 2010

Um Outro Mundo



Eu caminho por entre as árvores. Afasto os arbustos suavemente, sentindo seu toque em minha pele. Sinto sob os pés descalços os pequenos gravetos, a mata rasteira, a terra macia e úmida. É quase uma terapia. Prossigo a caminhada, atenta a tudo ao meu redor. Observo as onipotentes árvores centenárias, firmes e fortes em suas grossas raízes. Os troncos envoltos em musgos de um verde brilhante. Aos pés das árvores pequenos cogumelos se aconchegam, flores silvestres demonstram sua beleza, pequenos animais se refugiam. Finos raios de sol penetram o denso bosque, o fazendo parecer cravejado de pedras brilhantes.
            Passo cautelosamente por baixo de um enorme galho compacto e pesado. Não tenho pressa de chegar ao meu destino. Gosto da minuciosa beleza do caminho. Aquele é o meu segundo mundo. O melhor de todos por ser cenário de um romance. Foi aqui, em meio a mata selvagem que eu o vi pela primeira vez. Seus cabelos negros bagunçados pelo vento, caindo sobre seus olhos. Os olhos mais profundos e brilhantes que já vi. Sentado numa mureta de pedra, que em algum dia muito distante, foi um forte medieval. As ruínas envoltas por trepadeiras e inúmeras flores coloridas. Ele trazia na boca uma gaita que tocava tranquilamente, acompanhado pelo canto dos pássaros.
            Subitamente tomada pela saudade, apresso o passo. Preciso ver seu sorriso cintilante e quente novamente. Só pelo fato desse pensamento me ocorrer, sinto um leve calafrio percorrer meu corpo. Preciso dele. Anseio por ele. Sem nem mesmo notar já estou correndo pela trilha que me levará aquele por quem meu coração nunca cansará de bater.
            Ofegante, diminuo o passo. Respiro profundamente tentando controlar a entrada e saída de ar de meus pulmões. Caminho mais tranquilamente e o avisto no mesmo lugar de costume. Ele ouve meus passos se aproximando dele, e para seu canto instantaneamente. Levanta a cabeça para olhar-me com um largo sorriso já estampado em seu rosto. É o bastante para fazer-me fraquejar. É incrível o poder que ele exerce sobre mim. De fazer-me sentir tão bem, calma, ansiando por seus braços. Seus abraços. Seus beijos. Ele se levanta, caminhando em minha direção vagarosamente. Ganhando cada centímetro de distância entre nós, com uma leveza sem igual.
            Eu fecho meus olhos e aguardo seus braços esguios e fortes me envolverem. O sorriso maroto nos lábios dele é quase palpável. Meu coração se contorce de alegria dentro do peito. Em poucos instantes estamos nos braços um do outro. Matando a saudade. Reconfortando a dor há um tempo, abafada. Deleito-me em sua ternura, no toque de seus lábios. Aquele é o nosso mundo. Apenas nosso. Sinto-me imensamente feliz por estar ali. Com ele.
            De repente sou arrastada de meu mundo por uma voz conhecida. Sinto-me um pouco irritada, mas logo abro os olhos, sendo puxada novamente para o breu. Procuro pela voz.
            – Ei, querida. Desculpe acordar você. Vim ver como está. – disse minha mãe com sua doce voz. – Aqui querida. – ela diz e pega minha mão para que eu possa saber onde ela está. O que não é necessário. Embora não possa mais enxergar, posso sentir a presença de uma simples borboleta a distancia.
            – Tudo bem mamãe. Estou bem, apenas tirando um cochilo. – digo erguendo-me em um cotovelo e pondo-me a sentar.
            – Não, querida. Deite-se. Pode descansar, vou ter que sair agora, mas volto mais tarde. – ela me beija carinhosamente na testa e sai do quarto.
            O acidente. Aquele acidente tinha transformado a minha vida de uma maneira inexplicável. Foi por causa do acidente que ele se foi, e eu acabara cega. Mas eu já havia me conformado, não havia nada a se fazer quando a isso. Mas havia algo que os outros desconheciam. Eu tinha um mundo só meu, pra onde podia ir sempre que sentia a falta dele. Bastava apenas fechar os olhos para o breu deixar-me, e tudo ganhar cor e vida novamente. Um sorriso triste se forma em meus lábios. Mas logo o afasto de meu rosto. Em instantes estarei nos braços dele outra vez. Só preciso fechar os olhos, o que não tardo a fazer. Deixo um suspiro ansioso escapar com um sorriso, já não mais triste.                

3 comentários:

  1. "Sem nem mesmo notar já estou correndo pela trilha que me levará aquele por quem meu coração nunca cansará de bater."
    lindo esse trecho.
    E pâmy, simplesmente perfeito esse seu texto. O melhor que já li no seu blog. Muitooooo bom. Eu já imaginava que ela estava sonhando, mas não tinha a mínima noção de que ela havia ficado cega O.o nossa, muito bom mesmo. Parabéns. Sempre escrevendo impecavelmente bem ^^
    Bjs ;*

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  2. Bruna F. T.: Ówn Bru, muito obrigada flor. Fico muito feliz com os seus comentários, e obrigada por estar sempre presente :D

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  3. Concordo com a Bruna, o melhor conto! *-*
    É aquele tipo de história que nos faz trancar a respiração, e dá uma dorsinha no coração. Encantador, lindo, escrito com palavras doces e de forma apaixonante. Amei!

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